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Quinta, 10 Setembro 2020 03:23

IAB aprova em sessão histórica parecer favorável à reparação da escravidão 

A Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) produziu parecer estabelecendo os aspectos jurídicos que amparam a reparação da escravidão, medida considerada fundamental para eliminar as situações de desigualdade e discriminação racial ainda presentes na sociedade brasileira. Relatado pelo presidente da comissão, Humberto Adami, que fez a sustentação oral, subscrito por seus membros e aprovado por aclamação pelo plenário do IAB na sessão ordinária virtual desta quarta-feira (9/9), o parecer propõe a responsabilização dos autores das violações de direitos humanos, a reparação financeira às vítimas e a prevenção à recorrência dos crimes. “Foi uma sessão histórica”, destacou ao final a presidente nacional do IAB, Rita Cortez. 
A advogada encaminhará o parecer aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Felipe Santa Cruz; ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e ao ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto. Conforme o documento, “o objetivo da reparação da escravidão é reconstruir o modo de funcionamento da democracia brasileira e garantir a igualdade étnica-racial no exercício da cidadania, tendo como base o respeito à dignidade humana e o reconhecimento dos traumas da escravidão negra”. 

Os membros da comissão realizaram uma profunda análise jurídica da causa e das consequências do racismo estrutural e institucional. Eles discutiram a adoção de medidas que possam extinguir os resquícios da escravidão do cotidiano do País. Segundo Humberto Adami, “o parecer apresenta os fundamentos que legitimam a reparação da escravidão e destaca importantes ações afirmativas já adotadas, como a edição do Estatuto da Igualdade Racial e a criação de cotas para estudantes negros nas universidades públicas”.  

O relator destacou também que, além das ações afirmativas, o documento sugere “a implementação de ações restaurativas, que são aquelas que resgatam a verdade histórica da trajetória dos negros, a sua cultura e os seus heróis, para que haja a concretização plena da cidadania da população negra”. Ainda de acordo com o advogado, a reparação da escravidão estará concluída somente no momento em que todos os indivíduos submetidos ao pacto social proposto pelo estado democrático de direito estiverem em condição de igualdade.  

Conforme o presidente da comissão, tanto a reparação material quanto a simbólica são necessárias. “A responsabilização oficial do Estado Brasileiro e de outras entidades que colaboraram para a manutenção da escravidão é um mecanismo de compensação da forma de controle dos povos colonizados e do modo de produção escravista”, defendeu. 

A respeito da indenização financeira, Humberto Adami disse: “Ela é de suma importância como política de redistribuição de renda, pois os séculos de escravidão criminosa e os efeitos da abolição inconclusa mantêm os afrodescendentes brasileiros sem pleno acesso aos direitos fundamentais, de modo que esse dinheiro seria destinado à melhora das condições de vida da população negra brasileira”. 

No entendimento da Comissão de Igualdade Racial do IAB, a reparação da dívida humanitária com a população de cinco milhões de negros escravizados por 350 anos e os seus descendentes não pode ser reduzida a algumas medidas políticas isoladas. Segundo os membros da comissão, é preciso criar a consciência coletiva a respeito da necessidade de se manterem as medidas de inclusão e igualdade, com vistas à construção de uma nova identidade nacional.  

Na sessão ordinária virtual, vários membros da comissão sustentaram o parecer. O desembargador Marco Aurélio Bezerra de Mello, do TJRJ,  disse que “são 350 anos de escravidão e apenas 132 de abolição inconclusa”. O vice-presidente da OAB Nacional, Luiz Viana Queiroz, defendeu a indenização financeira para os descendentes dos escravizados. “A questão da prescrição, neste caso, ao contrário do que muitos dizem, está superada”, afirmou.  

Estatuto de Roma – O parecer comenta o Estatuto de Roma, de 1998, que instituiu o Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil faz parte. A norma determina que sejam julgados no tribunal os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional. Além disso, o Estatuto de Roma estabeleceu a imprescritibilidade do crime de escravidão, definido como crime contra a humanidade. 

Com isso, os membros da Comissão de Igualdade Racial entendem, conforme consta do parecer, que “a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade representa a necessidade de proteger a dignidade da pessoa humana, tanto em tempos de guerra como em tempos de paz". Ainda segundo eles, “a exclusão da punibilidade, em razão do decurso do tempo, não só daria causa à impunidade de agentes estatais e nações inteiras, como também violaria a dignidade das vítimas e seus descendentes, dando oportunidade para a consolidação de graves precedentes”. 

‘Trajetória histórica' – O ex-presidente da OAB Nacional Cezar Britto, membro efetivo do IAB, também participou da sessão e comentou sobre o racismo existente no Brasil. “O advogado abolicionista Luís Gama, nos tempos atuais, sofreria com o racismo”, afirmou. O ex-presidente da Fundação Cultural Palmares Carlos Moura, que subscreveu o parecer, destacou o fato de que “a Nação brasileira jamais estará pronta, enquanto os negros e negras não forem reconhecidos pelo Estado e pela sociedade”. O desembargador André Fontes, do TRF2, também subscritor, disse na sessão que “o IAB, por sua trajetória histórica, está legitimado a conduzir esse debate”. 

No parecer, os membros da comissão destacaram também que o racismo está inserido nas políticas de segurança adotadas no País. “O recrudescimento da repressão estatal mostra que o poder público adentra nas comunidades, sem qualquer preocupação com os direitos fundamentais dos transgressores da lei e dos que são inocentes, como a menina Ágatha Félix, de oito anos, morta com um tiro nas costas no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro”, exemplificaram.  

Ao debater o tema na sessão, José Antonio Seixas da Silva, membro da comissão, disse que “o ponto crucial a ser enfrentado é a coerção social pelos órgãos de estado, que resulta na banalização da morte dos negros”. A advogada Flávia Pinto Ribeiro lembrou que, durante a escravidão, “o Estado autorizava o proprietário a matar os seus escravos”. O companheiro de comissão Euclides Lopes também se manifestou: “O Brasil é um país mestiço, em que 54% são negros, embora o Estado só conceda direitos aos brancos”. 

Na análise da questão, a Comissão de Igualdade Racial sugeriu como caminho para a reparação da escravidão a aplicação da chamada “justiça de transição”. Ela é um sistema de passagem, do período de conflito para uma situação de paz, que inclui mecanismos políticos e jurídicos que têm o propósito de responsabilizar os que cometeram o crime de lesa-humanidade, como é considerado o crime de escravidão, indenizar as vítimas e prevenir a recorrência dos crimes.  

‘História viva’ – Na visão da comissão, a reparação envolve, ainda, o chamado “resgate da memória da escravidão”. Segundo os juristas, ela consiste no “reconhecimento das violações outrora ocorridas em solo brasileiro, para constituí-las como práticas a serem totalmente rechaçadas atualmente, tendo em vista o princípio regente da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana”. Para eles, “manter a história viva no consciente do povo brasileiro fará com que as próximas gerações continuem combatendo os resquícios do sistema escravista até que eles sumam da entranha da sociedade”. 

No parecer, também foi reconhecida a importância da “justiça retributiva”, que envolve a restituição de direitos usurpados, como, por exemplo, a demarcação de terras quilombolas. Na argumentação de que “o fundamento jurídico da reparação da escravidão encontra guarida nas premissas do estado democrático de direito”, foram citados três artigos da Constituição Federal.  

O art. 5º, segundo o qual “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”; o art. 7º, que “proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, e o art. 215, de acordo com o qual “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. 

O documento aprovado pelo plenário do IAB menciona, ainda, algumas iniciativas da luta mundial pela reparação da escravidão, como a Terceira Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância. No encontro, realizado em setembro de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul, foi redigida a Declaração de Durban, que considerou a escravidão crime contra a humanidade. 

Cotas – O Brasil participou da conferência com 42 delegados. Desde então, o País, segundo o relator e os subscritores do parecer, adotou uma série de medidas políticas e legislativas. “A partir da conferência, foi possível observar avanços por parte do governo brasileiro em direção à implementação de medidas reparatórias como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial e a criação de cotas para estudantes negros nas universidades públicas brasileiras”, reconheceram. 

Outra fonte considerada parâmetro pelos juristas no estabelecimento de metas para a reparação da escravidão é o Plano de Ação elaborado pela Comissão de Reparações do Caribe, em 2014. Ele prevê pedido de desculpas oficial por parte dos países responsáveis pela escravidão colonial e indenizações monetárias para o bloco caribenho, em razão da necessidade de desenvolvimento das áreas afetadas pelo tráfico de escravos e pelo genocídio das populações negra e indígena naquele período. 

A Comissão de Igualdade Racial citou duas iniciativas, em âmbito nacional, consideradas marcantes na luta pela reparação da escravidão, do ponto de vista da compensação material: o Movimento pelas Reparações dos Afrodescendentes (MPR), nos anos 1990, e a representação junto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, em SP, em 2000, ambas visando a indenizações financeiras aos afro-brasileiros por danos materiais e morais. 

O parecer foi assinado também pelos membros da comissão Cinthia Polliane Camandaroba da Silva, Edmée da Conceição Ribeiro Cardoso, Helio Rosalvo dos Santos, Janaína Muniz da Silva, João Manoel de Lima Junior, Marcia Cristina Xavier de Souza, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Nelson Joaquim (in memoriam). 

Humberto Adami agradeceu às professoras Maria Sueli Rodrigues e Simone Henrique pelas contribuições prestadas para a elaboração do documento. 

Clique aqui e acesse a íntegra do parecer.
 
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